sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Um poema de Herberto Hélder sobre o Actor

Poema acto III

"O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma, e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.
Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.
O actor em estado geral de graça."

Herberto Hélder

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Cortes na cultura - a ditadura das percentagens

Hoje partilho convosco um texto de Fernando Mora Ramos (Director do Teatro da Raínha), sobre o corte de 23% ao, já de si magro, orçamento para a cultura. Aqui vai:
"Escrevi recentemente no jornal Público que os cortes no teatro, na dança e nos apoios a projectos musicais, eram cortes que mais do que económicos significavam que, para quem os faz, a democracia não é um valor, que eram cortes cegos e nessa medida não eram cortes económicos mas sim políticos e que seriam o sinal mais sintomático do princípio do desaparecimento de um Portugal muito injusto mas em que, apesar de tudo, se respirava de uma forma diferente dos últimos tempos do fascismo, os tempos de Marcelo Caetano, os tais da abertura, uma abertura com máscara de oxigénio – eu vivi-a no Conservatório Nacional de Mário Barradas e sei do que estou a falar. Um corte cego no teatro, na dança e na música, é um corte no corpo novo e jovem – que se sente com estas governações velho de descrédito e desespero, de impotência de um sentido - da democracia de Abril, parte dele constituído pela emergência destas formas artísticas como fruição pública regular para além de todas as “sacanices” do Estado. Pela natureza das próprias actividades – como se sabe o teatro é e foi em muitas partes do mundo e da história condenado e excomungado, e a dança identificada com o diabo (ainda há pouco um bispo mo dizia, com alguma ironia confesso, sobre a possibilidade de uso artístico de um espaço em ruínas mas ainda consagrado) - estas são actividades públicas de recorte polémico, político democrático, são um sistema pulmonar de alimento simbólico, ideológico, vital e afectam profundamente aquelas operações do mental chamadas pensamento que nos ligam a ideias de abertura e de vida, ao contrário de outros sistemas que nos ligam a ideias de violência e morte, lembremo-nos do Viva la muerte do legionário de Franco.

Uma sociedade sem teatro, sem dança, sem música - e sem livros, pois o livro é também um objecto ameaçado por muitas vias e mesmo por aquela via que parece fomentar a sua multiplicação, a do livro star, muitas vezes medíocre mas ocupando todo o terreno – o que será? O que será uma sociedade sem o Luís Miguel Cintra, a revisitação praticada de Pessoa e Camões, e desconhecendo Ibsen, Strindberg, Beckett, Brecht e todos os criadores da nova modernidade sensível, a da descoberta da subjectividade como forma embrionária de uma liberdade nova também, sensível e interior, profunda? O que será mais de que uma regressão absoluta à barbárie do analfabetismo e da iliteracia militantes – o culto de certa incultura tem expressões violentas e age no lugar da ausência da outra, da cultura do pensamento e do espírito enraizados no quotidiano - num momento em que a cultura dominante é o consumo, actividade que do ponto de vista simbólico cria dependências psicológicas e fetichistas nos altares do fluxo constante do espectáculo das mercadorias no âmbito da absoluta comercialização de todas as esferas do espírito? E tendo como catedrais de máxima eficácia arquitectónica, verdadeiros labirintos da compra sugerida imposta, os centros comerciais, para que as pessoas mimeticamente encarneirem sem recuo numa vertigem constante da aquisição, forma de satisfação cíclica de um desejo que encontra num fetichismo desqualificado o seu deus de bolso?

O deserto por vir será um deserto preenchido pelo universo made in China, essa nova americanização de segunda e todos vestiremos os mesmos pijamas numa nova província do mundo, situada nas adjacências comerciais de uma nova potência dominante, a campeã do novo capitalismo mundial, o capitalismo imposto pelo sistema partidário comunista, o mais eficiente.

A descaracterização do Portugal que balbuciou uma entrada tímida na Europa – que a sua mediocridade dirigente falhou – é o fim da Europa em Portugal. As velhas carroças vão agora percorrer as novas auto-estradas e as marroquinarias de todo o tipo chamam-se agora chineserias – da China não virá Shakespeare mesmo que venham senhoras de Fátima inquebráveis. A Ministra da Cultura ficará definitivamente ligada a este destino como mão agente. E o Ministro Teixeira dos Santos como responsável primeiro do crime. Do Primeiro-Ministro já não vale a pena falar".

por Fernando Mora Ramos
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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Frases sobre o Teatro

Só por curiosidade, frases de alguns ilustres sobre o Teatro:

"O teatro é a poesia que sai do livro e se faz humana." (Federico García Lorca)
"No teatro descobri que existem duas realidades, mas a do palco é muito mais real." (Arthur Miller)
"O teatro é um meio muito eficaz de educar o público; mas quem faz teatro educativo encontra-se sempre sem público para poder educar." (Enrique Jardiel Poncela)
"Não ir ao teatro é como fazer a toilette sem espelho." (Arthur Schopenhauer)
"O público dos teatros divide-se em duas categorias: os que pagam e nunca vão ao teatro, e os que vão sempre ao teatro e nunca pagam." (Jules Renard)
"Teatro só faz sentido quando é uma tribuna livre onde se podem discutir até as últimas consequências os problemas do homem." (Plínio Marcos)
"O teatro não se repete, apesar de ser sempre o mesmo. Cada representação é como estar diante de um novo personagem." (Beatriz Segall)
"O nosso ofício, falo de teatro, não nos deixa provas. A posteridade não nos conhecerá. Quando um actor pára o acto teatral, nada fica. A não ser a memória de quem o viu. E mesmo essa memória tem vida curta." (Fernanda Montenegro)
"Existem empresários que enriquecem com o teatro - dizem. Não fizeram teatro, fizeram negócio. Quem faz teatro, seja empresa, seja governo, estará sempre perdendo dinheiro. Mas asseguro-lhe que quem faz teatro não se importa muito com isso." (Cacilda Becker)
"O teatro, que nada pode para corrigir os costumes, muito pode para mudá-los." (Jean-Jacques Rousseau)
"O teatro é o primeiro soro que o homem inventou para se proteger da doença da angústia." (Jean Barrault)
"O teatro como formador de opinião pode ser uma saída para tirar o governo da falência moral e mostrar ao público que o trabalho sério é a solução." (Antônio Ermírio de Moraes)
"Acho que quando faço teatro fico mais inteligente e fico melhor actor até para fazer as outras coisas!" (Wagner Moura)
"O sonho do teatro não é eternizar-se, mas falar com clareza, emoção, beleza, poesia e compreensão para o cidadão do seu tempo." (Amir Haddad)
"Talvez no teatro da vida se divirtam todos, mas não o actor." (George Bernard Shaw)
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O teatro grego e o actual teatro: uma reflexão crítica

Um texto da brasileira Valéria Maria de Oliveira* sobre o teatro que, apesar de estar reflectido sobre a realidade brasileira, bem podia sê-lo sobre a realidade portuguesa. Ora leiam (está em português do Brasil) e digam o que pensam...


Dos rituais primitivos e religiosos dos quais estava envolta a antiga Grécia, surgiu a aventura efêmera que atravessaria os séculos: o Teatro. Organizado e formalizado pelos gregos para o espaço cênico, o teatro é até hoje, essencialmente, a arte que trata sobre o homem e a mulher e suas relações com o mundo e todos os acontecimentos que os cercam.

Os gregos nos são, até os dias de hoje, uma constante referência, tanto do ponto de vista artístico quanto do ponto de vista filosófico e, sem dúvida alguma, do sistema social, que hoje nos é quase impossível de compreender em função de tamanha desestrutura que passamos, principalmente no que diz respeito à ordem do pensamento vigente.

Foram os gregos que criaram, dentro do universo artístico, a Tragédia Grega, que fala sempre sobre realidades e mitos. As histórias das tragédias sempre eram conhecidas de todos, falava de heróis legendários, em luta com o austero e implacável destino; e dos deuses, sempre participantes no sentido de recompensar a coragem e punir a rebeldia. E assim, a partir da forma comportamental do herói diante das imposições do destino, organizava-se a ação dramática.

O teatro grego teve como característica principal ser um teatro cívico, sobretudo a tragédia, um teatro como define Barthes que era “sociedade restrita e mundial”.

Falar do teatro grego é sempre motivo e um objeto para grandes polêmicas, teses e dissertações. Mas aqui vamos procurar traçar um campo reflexivo-crítico sobre o nosso pequeno teatro burguês, que reflete o que somos em dias de tanta depuração, tanta ausência de paradigmas norteadores, buscando perceber esse nosso tão famigerado hoje e nada mais.

Muito ao contrário dos gregos, uma boa parcela do nosso teatro atual, não revela mais as questões de ordem social. O teatro hoje esta envolto por uma camada de anestésicos que visam falar do homem e seus conflitos interiores. Claro que a sociedade de hoje, está  muito longe de ter princípios semelhantes aos gregos. Porém, as obras das tragédias gregas ultrapassaram os séculos justamente por não se aterem a falar dos psicologismos das personagens, evitando assim, que o teatro se afastasse do censo de coletivo original.

Os espetáculos na atualidade (e há muito tempo) por uma questão de ordem econômica, e de esvaziamento cultural, estão cada vez mais reduzidos no que diz respeito ao elenco. Assim, ao longo da história, o que era para os gregos o personagem principal: o coro, composto, por muitos, hoje, muitas vezes, é apenas um ator em o palco nu, e uma platéia reduzida aos pequenos espaços de pequenas salas.

Da mesma forma como o coro foi se reduzindo, os espetáculos também o foram, e todo o contexto que o cerca. Assim, das grandes festas Dionisíacas em que estava envolto o antigo teatro Grego, nosso teatro agora está envolto de si mesmo e das suas coisas, que estão somente a um palmo de si.

Claro que o teatro grego, por mais grandiosos que tenha sido na sua forma espetacular e na sua concepção social , estava num contexto de uma democracia que não dava conta de uma parcela da população também, como os metecos, os escravos. E mesmo assim, enquanto uns podiam assistir aos espetáculos, outros trabalhavam para eles. Mas a participação, tanto de um lado quanto de outro, era sempre consciente de uma atitude política.

Parece-me que, enquanto os gregos estavam fazendo arte, também faziam atos de política e de educação, não no sentido banal que estas palavras têm ganho a cada dia na contemporaneidade, muito menos no sentido político partidário. Era uma atitude nata, de quem ocupava o seu lugar civil, de quem ocupava não apenas um lugar na assembléia, mas sim, de quem tinha a responsabilidade civil nos seus atos do cotidiano coletivo.

Hoje, numa sociedade onde o artista passa pela dificuldade de fazer o espetáculo, pois a própria sociedade já se transformou em algo espetacular, fica cada vez mais difícil fazer teatro de uma forma que este tenha o peso de uma responsabilidade com a transformação social, uma vez que o próprio teatrista se vê na dificuldade de uma compreensão mais ampla da sociedade na qual está inserido.

Os espetáculos gregos sempre foram de cunho popular, não apenas porque eram dados ao ar livre como, especialmente, congregavam toda a população, sem delimitação de classes. Os artistas de então, contratados do Estado,  cumpriam uma função educativa, como intérpretes de um estado de espírito coletivo: a democracia.

Em dias tão desajustados, fica cada vez mais distante essa idéia desse teatro responsável como um elemento educativo estético. Cada vez mais se torna difícil manter grupos de grande elenco e estáveis e já arrisco dizer que na nossa sociedade o teatro não é um elemento cuja importância seja real.

Há de forma mais geral duas fortes tendências: a do teatro que opta por um lugar de investigação, que fica mais à margem, e outro que se define pela lógica capitalista, que é o que chamamos de teatro comercial. O Estado restringe-se à administração de verbas e à criação de leis de apoio fiscal para que as empresas privadas viabilizem verbas às companhias teatrais. Conseqüentemente, este fator define o perfil dos espetáculos e atividades culturais. Como os grupos que recebem os apoios fiscais não conseguem sobreviver exclusivamente destes, acabam tendo como opção os trabalhos pedagógicos e ainda os festivais.

Os festivais, em tempos atuais, acabam ganhando um cunho elitista, uma vez que também precisam agradar seus patrocinadores. Muitos fazem circular as produções comerciais e outros, que se colocam como mais alternativos, acabam fazendo circular os mesmos trabalhos e grupos, pois se tornam pertencentes de um núcleo fechado de amigos teatrais.

O grande comungar do teatro com o povo é um pouco raro. Claro que temos no Brasil festivais que, durante suas atividades, dinamizam apresentações em toda a cidade, fazendo circular apresentações em bairros, escolas, fábricas, mas mesmo assim, isso é mais um compromisso de marketing empresarial que um compromisso socio-educativo.Ainda, em grande maioria, as apresentações de festivais estão presas às salas de teatro, que em caso de grandes prédios de teatro, a própria estrutura já inibe naturalmente a entrada de uma classe menos privilegiada. Assim, somente os dados cidadãos de algum poder aquisitivo desfrutam de tal evento. E essa mentalidade revela a forma como pensamos a arte hoje e como os patrocinadores definem, mesmo que sem “imposição”, as estruturas.

Cada vez mais se vê o teatro preocupado em fazer teatro para si mesmo ou para a grande mídia, e os artistas esperando por sua ascensão nos grandes meios de divulgação, esquecido da sua possibilidade de formação, de intervenção social e cultural. Nem poderia ser diferente se vivemos a era da individualidade, onde o texto: “um por todos e todos por um” é apenas uma frase solta que todos julgam interessante, uma vez que foi Alexandre Dumas quem escreveu, mas que todos a deixam fora do plano de atitudes do seu contexto. Claro que não estou pedindo aqui que todos saiam às ruas fazendo teatro e que excomunguem o teatro de sala e o teatro romântico. Mas proponho que se façam a pergunta do por quê cada vez mais estamos indo para pequenas salas e com um número cada vez mais reduzido de pessoas para assistir o feito teatral ?

Seria muito pedir também que perguntássemos qual pode ser a aproximação dos festivais, o dos espetáculos com a população ?

Penso que não. Não seria muito. É possível fazer essa reflexão. É certo que nunca poderemos resgatar a mentalidade grega, até mesmo por que isso seria impossível e tolo, mas se ficaram as Tragédias Gregas é sinal de que podemos nos deixar influenciar por essa cultura, ressignificando-a para o nosso tempo.

Uma vez que o teatro não tem esse caráter civil que os gregos tinham, podemos entrar aqui num problema de ordem de formação. Não seria nenhuma novidade dizer aqui que o nosso sistema educacional no Brasil (poderia dizer de outros lugares também, mas nesse momento me interessa falar da minha própria casa, da minha própria nação) é um sistema que há tempos vive em decadência. Assim, se falarmos do trabalho de formação em teatro, basta fazermos um retrospecto de como se iniciou o ensino das artes no Brasil que logo perceberemos que o teatro está ainda longe de ser um componente dentro da educação.

Com a chegada da “Missão Francesa” no governo de Don João VI instalou-se a primeira escola de Artes do Brasil, que tratou de preocupar-se apenas com o ensino das artes plásticas, além de ter trazido e imposto todo o molde francês para esta. De lá pra cá, é clara a percepção de que todas as estruturas de ensino de artes se deram somente através das artes plásticas, hoje artes visuais. A própria instauração das faculdades de artes, ou melhor a antiga Ed.Artística, tinham seus conteúdos quase que integralmente voltados para artes plásticas, e uma ou outra cadeira voltada à música e ao teatro. Hoje, já temos disponível no país algumas faculdades de teatro que ainda estão nos seus ajustes em função de sua jovialidade.

Então, desde que começamos, realmente não houve nenhuma ocupação verdadeira do teatro dentro das instituições de ensino, talvez porque este seja considerado subversivo, e essa consideração seja algo para arrepiar o conceito de ordem e de democracia em que vivemos em nosso país. Não que o teatro dado na academia vá dar conta de resolver os problemas, mas a criação destas e a formação de professores que possam atuar dentro do ensino fundamental e ensino médio talvez pudesse caminhar para auxiliar na formação de cidadãos melhores consumidores e fruidores da produção artística de sua época, bem como amenizar essa carência dentro das instituições de ensino.

O teatrista de hoje precisa ficar passível de uma transformação muito grande, e zelar ao máximo por sua formação integral como homens e mulheres pertencentes a esse mundo, tanto aquele que se encontra na periferia, quanto nos grandes centros. Não falo aqui em tentar fazer um teatro grego, que era o teatro e a cidade, mas tentar enfrentar sua formação como a única coisa capaz de modificar seu ato, e a construção do seu objeto espetacular, quando o indivíduo se transforma, todo seu contexto se modifica.

Cuidar da nossa formação é não deixar permissão para colonização, não permitir nossa aculturação. Zelar por formação é criar espaços reais de liberdade, é construir identidade e, acima de tudo, é estar preparado para viver esses novos tempos e, quem sabe, criar tempos melhores ou pelo menos mais esperançosos.

Em dias nublados, como os de hoje, longe da antiga Grécia, mais que grandes produções, mais que salas fechadas, mais que nosso umbigo, mais que o fortalecimento de personalidades, necessitamos de apuração de caráter, mais que o simulacro precisamos de ações concretas e verdadeiras de transformação.

Quando o indivíduo se deixa tocar, quando deseja ser tocado, automaticamente se transforma, e quando se transforma o entendimento sobre as coisas, transformam-se também a ética, a estética, a linguagem e estas por sua vez modificam todo um olhar da sociedade, juntamente com outras estruturas. Gostaria de dizer que é possível transformar o olhar do umbigo para o olhar civil. Essa transformação leva o indivíduo a redescobrir recantos adormecidos, a “emocionar-se”, que, na origem da palavra, significa mover-se.



REFERÊNCIAS

BARTHES, R. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70.

CUNHA, J. C da. E o teatro do intérprete. Entrevista. Folhetim, n.14, jul./set. 2002.

FERAL, J. Os gregos na Cartoucherie: a pesquisa das formas. Folhetim, n.14, jul./set. 2002.

*VALÉRIA MARIA DE OLIVEIRA - Atriz e Professora – Universidade do Vale do Itajaí/UNIVALI. Graduada em Artes Cênicas – Especialista em Ensino da Arte: Fundamentos Estéticos e Metodológicos – Mestranda em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC




sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Palavras Sábias

Já muitas vezes me foi pedido um conselho por jovens actores. A maioria das vezes, sinto que gostariam que lhes desse uma "receita", que partilhasse com eles um "segredo". Bom, a verdade é que não existem "receitas" ou "segredos". Porquê? Aqui vai a explicação pela voz de Kevin Spacey.


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Queixa das Almas Jovens Censuradas

Aqui deixo o magnífico poema de Natália Correia, porque faz falta:

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte



Natália Correia (Poetisa portuguesa, 1923-1993)

A Arte e a Crise

Ora pois. A crise instalou-se. E vai crescer, é melhor não nos iludirmos. E a Arte? e os Artistas? Qual é o nosso papel, em plena crise? Continuarmos no nosso "cantinho"? Fazermos "o que se pode", tendo em conta a crise? Conformarmo-nos? - nenhuma destas hipóteses me parece muito artística....

Sempre vi a Arte como inconformista, pioneira, agitadora de consciências. Não é a Arte DA guerrilha, é a Arte DE guerrilha. Provocadora. Agitadora. Inconformista.

O que sinto é que precisamos de nos encontrar num espaço livre, numa ideia, numa forma de dizer e fazer. Mas quando digo que precisamos de nos encontrar, não estou a falar nos encontros dos "quintais", mas no encontro de consciências, de vontades, de seres.

E como dizia uma cantiga que ouvia na adolescência "...quem tem medo compra um cão, quem tem sono vai dormir,  quem quiser que dê as mãos..."
Continuar, como se nada tivesse mudado, é dormir. Até podemos ser marginais, o que não devemos é colocar-nos à margem do que acontece, do que existe, do que é.

Olhar para fora ... por dentro. É o que temos de fazer. 

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Bart Simpson em "The Simpsons Sing the Blues"

É para quem sabe... Manter a voz de um "boneco", mesmo cantando...

Muito bom!

A voz é da actriz Nancy Cartwright que, só por curiosidade, também faz as vozes de Ralph Wiggum, Nelson Muntz, Todd Flanders e Maggie Simpson.


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

dying Kevin Spacey

Ora aqui está uma prova de que menos por menos... dá mais...


Kevin Spacey em LA Confidential


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Meryl Streep in Angels in America

Aqui vai um exemplo de como se é grande quando se é inteiro, como dizia o nosso Fernando Pessoa. Meryl Streep, na fantástica mini série "Angels in America" (existe em dvd, não percam)interpretando 4 magníficas personagens... com a verdade que procuramos quando interpretamos.


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"A verdade..."


“Ser actor é muito simples – é só preciso saber o texto e dizer a verdade!”. Sorri interiormente ao ouvir estas palavras a um querido amigo e óptimo actor – António Assunção – que respondia a um colega que se tinha estreado recentemente na profissão e que se debatia com a dificuldade “disto de se ser actor...”

Com que então é “simples”! Pois, de facto... o busilis está na “verdade”, não é António? Na verdade da personagem, não na nossa... Em não cair na tentação de impôr a nossa verdade à personagem, em não cair na armadilha de a julgarmos...

É no nosso ego que topeçamos, sempre que agarramos uma nova criatura (uma nova personagem). Tropeçamos no que não queremos revelar de nós, no que nos assusta reconhecer em nós. Tropeçamos nos nossos julgamentos, nas nossas crenças, na imagem de nós que queremos(cremos) mostrar aos outros.

É que antes de ser actor, o actor é uma pessoa. É por isso que acredito que para se trabalhar o actor se tem, primeiro, de trabalhar a pessoa.

Este é o encontro com a verdade de que António Assunção falava, naquela tarde de Verão, há 30 anos.

Luísa Ortigoso
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