terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Revolução e mulheres



É só um bocadinho... vale tanto a pena ler todo... 

- Maria Velho da Costa, in Cravo, 1976 -

Elas fizeram greves de braços caídos.
Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta.

Elas gritaram à vizinha que era fascista.

Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas.

Elas vieram para a rua de encarnado.

Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água.

Elas gritaram muito.

Elas encheram as ruas de cravos.

Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes.

Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua.

Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo.

Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas.

Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra.

Elas choraram de verem o pai a guerrear com o filho.

Elas tiveram medo e foram e não foram.

Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas.

Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa.

Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões.

Elas levantaram o braço nas grandes assembleias.

Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos.

Elas disseram à mãe, segure-me aí os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é.

Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada.

Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão.

Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens.

Elas iam e não sabiam para onde, mas que iam.

Elas acendem o lume.

Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado.


São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.

terça-feira, 24 de novembro de 2015


Porque este homem me/nos faz falta...



O Direito de Sonhar
-Eduardo Galeano-

Eduardo Galeano - foto de autoria desconhecida

Vá-se lá saber como será o mundo para além do ano 2000...
A única certeza que temos é que, quando lá chegarmos, já seremos gente do século passado.
Pior ainda. Seremos gente do milénio passado.
Mas, ainda que não possamos adivinhar que mundo será, podemos imaginar o mundo que queremos que seja.
O direito de sonhar não figura entre os 30 direitos humanos que as Nações Unidas proclamaram no final de 1948, mas se não fosse por ele, pelo direito de sonhar, e pelas águas que ele dá de beber, os restantes direitos morreriam de sede.

Então vamos delirar! Deliremos, por um bocadinho:
O mundo, que está de pernas para o ar, pôr-se-á sobre os pés.
Nas ruas, os automóveis serão atropelados pelos cães.
O ar estará limpo dos venenos das máquinas e não terá outra contaminação que não seja a que a emana dos medos humanos e das paixões humanas.
As pessoas não serão conduzidas pelos automóveis, nem serão programadas pelos computadores, nem serão compradas pelos supermercados, nem serão vistas pelos televisores.
O televisor deixará de ser o membro mais importante da família, e será tratado como o ferro de engomar, ou a máquina de lavar.
As pessoas trabalharão para viver, em vez de viverem para trabalhar.
Em nenhum país irão presos os rapazes que se neguem a fazer o serviço militar, mas sim os que quiserem fazê-lo.
Os economistas não chamarão “nível de vida” ao nível de consumo, nem chamarão “qualidade de vida” à quantidade de coisas.
Os cozinheiros não acreditarão que as lagostas adoram ser cozinhadas vivas. Os historiadores não acreditarão que os países adoram ser invadidos. Os políticos não acreditarão que os pobres adoram comer promessas.
O mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza. A indústria militar não terá outro remédio senão declarar falência para sempre.
Ninguém morrerá de fome porque ninguém morrerá de indigestão. As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo porque não haverá crianças de rua. As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro porque não haverá crianças ricas.
A educação não será o privilégio de quem a possa pagar, nem a polícia será a maldição de quem não a possa comprar.
A justiça e a liberdade - irmãs siamesas condenadas a viver separadas - voltarão a juntar-se bem juntinhas, costas com costas.
Uma mulher negra será presidente do Brasil. E outra mulher negra será presidente dos Estados Unidos da América. E uma mulher índia governará a Guatemala e outra o Perú. E na Argentina as “Loucas da Praça de Maio” serão um exemplo de saúde mental, porque se recusaram a esquecer nos tempos da amnésia obrigatória.
A Santa Madre Igreja corrigirá alguns erros das tábuas de Moisés. O sexto mandamento ordenará festejar o corpo. O nono, que desconfia do desejo, declara-lo-á sagrado. A igreja também declarará um décimo primeiro mandamento, de que o Senhor se terá esquecido: “amarás a natureza, da qual fazes parte!”. Todos os penitentes serão celebrantes.
Não haverá noite que não seja vivida como se fosse a última, nem dia que não seja vivido como se fosse o primeiro.

Tradução: Luisa Ortigoso

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Fotografia - um hobby, uma paixão







Há 2 anos, um amigo e colega (António Évora) "apresentou-me" a sua nova máquina fotográfica. Pediu-me para lhe fazer algumas fotos com ela e... pronto. Foi o início de um hobby que, rapidamente, passou a paixão.

Passarei a partilhar aqui algumas das fotos que resultam das caminhadas que faço por aí.




Vão espreitando.
Até já.



sábado, 11 de julho de 2015



Bem-vindos a Beirais - cenas... 























sábado, 11 de abril de 2015

E no dia de aniversario da minha estreia profissional ( já lá vão 36 anos), fica aqui, mais uma vez, a minha homenagem aos meus mestres! Grata, sempre! E grata, também, ao público que me acarinha há tantos anos. Viva! 



sexta-feira, 27 de março de 2015

DIA MUNDIAL DO TEATRO
(mensagem)


"Os verdadeiros mestres do teatro encontram-se facilmente longe do palco. E não estão geralmente interessados no teatro que seja como uma máquina para replicar convenções e reproduzir lugares comuns. Eles procuram encontrar a fonte da palpitação, as correntes vitais que tendem a evitar as salas de espetáculo e as multidões de pessoas prontas a copiar um qualquer mundo. Copiamos, em vez de criarmos mundos focados ou mesmo dependentes do debate com o público, cultivando emoções que ultrapassam a superficialidade. É que, na realidade, nada revela melhor as paixões escondidas do que o teatro.
Sou muitas vezes levado pela prosa para refletir. Penso frequentemente nos escritores que há quase um século descreveram profeticamente, mas também com parcimónia, o declínio dos deuses europeus, o crepúsculo que mergulhou a nossa civilização numa escuridão de que ainda não recuperou. Estou a pensar em Franz Kafka, Thomas Mann e Marcel Proust. Presentemente também incluiria Maxwell Coetzee nesse grupo de profetas.
A sua visão comum do inevitável fim do mundo – não do planeta mas do modelo das relações humanas – e da ordem social e sua decadência, é hoje em dia dolorosamente sentida por todos nós. Por nós, que vivemos neste pós fim do mundo. Que vivemos em confronto com crimes e conflitos que deflagram diariamente por todo o lado com uma velocidade superior à capacidade ubíqua dos próprios meios de comunicação. Estes fogos rapidamente se esgotam e desaparecem das notícias, para sempre. E nós sentimo-nos abandonados, assustados e enclausurados. Não somos já capazes de construir torres, e os muros que esforçadamente levantámos deixam de nos proteger – pelo contrário, requerem eles próprios proteção e cuidados que consomem grande parte da nossa energia vital. Perdemos a força que nos permite vislumbrar para lá dos portões, para lá dos muros. E essa devia ser a razão de existir do teatro  e é  que devia encontrar a sua força. O canto íntimo que é proibido devassar.
“A lenda procura explicar aquilo que não pode ser explicado. Está ancorada na verdade, e deve acabar no inexplicável” - é assim que Kafka descreveu a transformação da lenda de Prometeu. Acredito profundamente que estas mesmas palavras deviam descrever o teatro. E é este tipo de teatro, aquele que está ancorado na verdade e encontra o seu fim no inexplicável, que eu desejo a todos os que nele trabalham, os que se encontram no palco e os que constituem o público, e isto eu desejo de todo o meu coração."
Krzysztof Warlikowski 
KRZYSZTOF WARLIKOWSKI - resumo biográfico
Krzysztof Warlikowski é um dos mais importantes encenadores europeus da sua geração. Nasceu na Polónia.
Em colaboração com a cenógrafa Malgorzata Szczesniak, cria imagens teatrais excecionais. O seu trabalho leva os seus actores a atingir os estratos mais profundos da sua criatividade. Criou novas formas de encenar Shakespeare, e interpretações subversivas das tragédias gregas, mas é também conhecido pelas suas encenações de autores contemporâneos. A sua produção de “Cleansed” de Sarah Kane em 2002 no Festival de Avignon e no Festival de Teatro das Américas em Montreal foi muito bem recebida. Este foi um momento decisivo para a sua afirmação internacional.
A partir de 2008 é o Diretor Artístico do Nowy Teatre (Novo Teatro) em Varsóvia. Aí dirigiu várias peças adaptadas, trabalhando atualmente na adaptação teatral de “A la recherche du temps perdu” de Marcel Proust. Em Varsóvia, Warlikowski criou uma visão pessoal do papel e lugar do teatro na sociedade, chamando os espetadores para o debate. O seu mote para o teatro passou a ser: “Escapar ao teatro”.
As produções de teatro de Warlikowski passaram já pelos maiores festivais. Mas o seu trabalho inclui também a ópera, onde é considerado também revolucionário.
Krzysztof Warlikowski tem  recebido inúmeros prémios, na Polónia e em muitos países estrangeiros. Em 2013 recebeu em França a distinção de “Commandeur des Arts et Lettres”.
(Textos traduzidos por Carmen Santos)

quarta-feira, 11 de março de 2015

Manifesto 74: Ser actriz no país da austeridade, por Luisa Ortig...

Manifesto 74: Ser actriz no país da austeridade, por Luisa Ortig...: 2 Série  "S er no país da austeridade" COISAS DO GLAMOUR Quando aos 12 anos, numa reunião de família, me perguntaram o que qu...
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