É só um bocadinho... vale tanto a pena ler todo...
- Maria Velho da Costa, in Cravo, 1976 -
Elas fizeram greves de braços caídos.
Elas brigaram em casa para
ir ao sindicato e à junta.
Elas gritaram à vizinha que
era fascista.
Elas souberam dizer salário
igual e creches e cantinas.
Elas vieram para a rua de
encarnado.
Elas foram pedir para ali
uma estrada de alcatrão e canos de água.
Elas gritaram muito.
Elas encheram as ruas de
cravos.
Elas disseram à mãe e à
sogra que isso era dantes.
Elas trouxeram alento e
sopa aos quartéis e à rua.
Elas foram para as portas
de armas com os filhos ao colo.
Elas ouviram falar de uma
grande mudança que ia entrar pelas casas.
Elas choraram no cais
agarradas aos filhos que vinham da guerra.
Elas choraram de verem o
pai a guerrear com o filho.
Elas tiveram medo e foram e
não foram.
Elas aprenderam a mexer nos
livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas.
Elas dobraram em quatro um
papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa.
Elas sentaram-se a falar à
roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões.
Elas levantaram o braço nas
grandes assembleias.
Elas costuraram bandeiras e
bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos.
Elas disseram à mãe,
segure-me aí os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa
dizer-lhes como é.
Elas vieram dos arrabaldes
com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada.
Elas estenderam roupa a
cantar, com as armas que temos na mão.
Elas diziam tu às pessoas
com estudos e aos outros homens.
Elas iam e não sabiam para
onde, mas que iam.
Elas acendem o lume.
Elas cortam o pão e aquecem
o café esfriado.
São elas que acordam pela
manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.